A ciência comprova que a espiritualidade pode reduzir o risco de doenças
cardiovasculares e diabetes. Atenua também os sintomas de enfermidades como
AIDS e câncer, além de melhorar a qualidade de vida e diminuir a violência.
Aos 25
anos, a relações-públicas Bruna Paranhos foi surpreendida em seus exames de
rotina com um diagnóstico revelador: estava com um nódulo no seio. Ao consultar
um mastologista do Hospital A. C. Camargo (SP), descobriu que precisava
realizar uma biópsia e verificar a gravidade do problema. O resultado sairia
somente em duas semanas. “Foi uma época sofrida, mas me entreguei à fé. Pedia a
Deus todos os dias pela minha cura, comecei uma corrente de orações, e nunca
tive dúvida de que a minha fé me curaria”, diz. Otimista, retornou ao hospital
e viu a surpresa do oncologista ao constatar que o nódulo não era grave. “O
especialista imaginou que eu estava com um carcinoma (tumor maligno), mas, no
fim das contas, ele era benigno e nem foi preciso retirá-lo”, conta.
Essas e outras histórias são muito comuns na rotina de hospitais de todo o
mundo. Porém estão longe de ser crendice popular ou misticismo. A ciência
comprovou que a fé pode até curar. Nesse contexto é importante destacar que a
espiritualidade e a religião são fatores diferentes. Para Niura Padula,
neuropediatra e pesquisadora da Universidade Paulista de São Paulo (Unesp), a
religião é uma somatória de dogmas e ritos preconizados por um determinado
grupo. “Já a fé é a conexão com algo mais profundo, não precisa necessariamente
estar ligada a nenhuma religião, mas sim com o exercício de ética, da moral, da
caridade e solidariedade”, explica.
Espiritualidade e cura
O pesquisador e médico Francisco Habermann (Unesp-Botucatu), também afirma que
o conceito de espiritualidade está ligado ao conhecimento da alma humana. “A
espiritualidade independe de qualquer formalidade e ultrapassa o de religião”,
complementa.
A ligação entre espiritualidade e saúde é conhecida desde o início das culturas
mais antigas. Mas, desde que a ciência começou provar as origens das doenças
“físicas”, foi feita a divisão: religião cuida do espírito e ciência, do corpo.
“Agora se sabe que além do corpo também temos o lado espiritual, e podemos unir
ambos e chegarmos à espiritualização da medicina. Assim podemos fazer melhores
diagnósticos e aprimorar os processos de cura”, diz o especialista Niura.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a espiritualidade como um fator
que não deve ser desprezado, porque pode gerar equilíbrio e declara que, quando
ela é bem empregada, o resultado observado é um reflexo positivo na saúde
psíquica, social e biológica, tal como o bem-estar do indivíduo.
"A OMS reconhece a espiritualidade como um fator que gera equilíbrio"
Cultivando
a espiritualidade
Que crer é importante é um fato, mas como fortalecer a fé? Para cultivar a
espiritualidade é preciso acreditar na vida, ser positivo e crer que há uma
razão para os acontecimentos. Para Ricardo Monezzi, pesquisador e psicobiólogo
do Instituto de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), é importante acreditar no próprio potencial e em dias melhores. “A
fé é algo profundo, um sentimento que transcende o corpo, por isso é necessário
confiar em uma força superior. É um processo individual, e cada um precisa
descobrir como cultivar esse sentimento”, diz. Confira algumas dicas para
aumentar a fé:
• Converse com pessoas espiritualizadas e busque conselhos.
• Conviva com o próximo, tentando sempre se colocar em seu lugar nas adversidades
(seja altruísta e solidário).
•A meditação é um exercício cerebral que foca o pensamento e traz conforto e
tranquilidade, além de melhorar a memória.
• Pratique técnicas de respiração: a maneira como respiramos pode afetar como
pensamos e também como agimos.
• Conheça as terapias orientais que buscam estabelecer o equilíbrio da energia.
Ioga é uma ótima opção.
• Concentre-se no dia de hoje. O amanhã é incerto e o passado não retorna.
Pense que você só tem o dia de hoje para viver.
• Procure uma religião que combine com o que você acredita.
• Se mesmo assim tiver dificuldades, procure ajuda de um terapeuta. Com a
terapia, você poderá encontrar algumas respostas e se reestruturar em momentos
difíceis.
"A
fé atua em diversas áreas cerebrais, principalmente no sistema límbico, que é
responsável pelas emoções"
E foi
comprovado cientificamente que pessoas espiritualizadas podem diminuir o risco
de alguns tipos de doenças como as cardiovasculares, o diabetes, acidentes
vasculares cerebrais (AVC), infartos e insuficiência renal. Além de amenizar os
sintomas de doenças crônicas como AIDS e câncer.
Ao adquirir o autoconhecimento e a aceitação proporcionados pela fé, o
indivíduo consegue mudar seus hábitos, como melhorar a alimentação, praticar
atividade física, ter um sono reparador e manter o equilíbrio nos pensamentos e
atitudes. A espiritualidade também ajuda a combater a depressão, já que atenua
os sentimentos de amargura, raiva, estresse e mesmo ressentimentos.
“A fé atua em diversas áreas cerebrais, principalmente no sistema límbico, que
é responsável pelas emoções. Ela ainda reforça o sistema imunológico,
prevenindo diversas doenças”, afirma Ricardo Monezzi, pesquisador e
psicobiólogo do Instituto de Medicina Comportamental da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp). Ele explica que os indivíduos espiritualizados,
independentemente da religião, demonstram ser menos violentos, pois pensam no
próximo, são altruístas e muitas vezes demonstram ser mais solidários.
Além disso, pessoas espiritualizadas cometem menos suicídio, ficam menos tempo
internadas nos hospitais e geralmente têm mais qualidade de vida. “Elas
acreditam que a vida tem um objetivo e aceitam as adversidades com mais clareza
e não se sentem desamparadas nos momentos difíceis”, relata o pesquisador
Monezi.
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Toronto (Canadá), liderada pelo
professor de Psicologia Michael Inzlicht, constatou que a fé pode diminuir a
ansiedade, a depressão e o estresse. Os participantes realizaram um teste,
conhecido como Stroop, onde foram analisadas as atividades cerebrais dos
indivíduos, e foi comprovado que a crença tem um efeito calmante cuja
consequência é a diminuição da ansiedade, bem como o medo de enfrentar o que
nos parece incerto e desconhecido.
“Existem pesquisas com Ressonância Nuclear Magnética Funcional, que demonstram
áreas específicas do cérebro que se ‘acendem’ em orações ou meditações”, pontua
Niura. Entretanto, Habermann destaca que, apesar de os recursos tecnológicos
terem registrado inusitados mecanismos da fisiologia cerebral, principalmente
na área das emoções, ainda há muito o que se descobrir nesse assunto.
Novo paradigma
Como tem reagido a medicina convencional diante dessa nova realidade? De acordo
com Paulo de Tarso Lima, coordenador do Setor de Medicina Integrativa e
Complementar do Programa Integrado de Oncologia do Hospital Israelita Albert
Einstein (SP) e autor do livro Medicina Integrativa – a cura pelo equilíbrio
(MG editores), os profissionais da saúde entenderam que o ser humano precisa
cuidar do corpo, mente e espírito. E atualmente, em algumas escolas de
medicina, os alunos já possuem matérias sobre a importância da espiritualidade
no processo de cura.
“Há um movimento global na área da saúde que identifica as necessidades dos
pacientes e visa respeitar as decisões de cada um, independentemente das
crenças ou valores”, afirma. Para que isso ocorra, a conversa entre paciente e
médico é fundamental. Com o diálogo, o profissional saberá no que a pessoa
acredita e poderá informar que há bases científicas que comprovem que a
espiritualidade auxilia no processo de cura.
O médico deverá abordar o paciente de forma humana, entender e explicar o que
há por trás das doenças e discutir como ele vê a doença e a cura. “Os médicos
precisam respeitar seus pacientes. Escutá-los com atenção e indicar tratamentos
que possam ajudar nesse processo”, explica Lima.
A prática médica tem mostrado aos profissionais da saúde — convencionais ou não
— a importância da fé como coadjuvante da cura dos males orgânicos. Além de
curar, cultivar a fé muda os hábitos, torna os indivíduos mais saudáveis,
atenua sintomas de doenças, pode levar à cura e traz um sentido na vida de cada
um. Crer é preciso.
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