“Nada é. Tudo está.”

07/02/2011

A ALIMENTAÇÃO NA MEDICINA TRADICIONAL CHINESA: PREVENIR É MAIS FÁCIL QUE CURAR



Dra. Rita Maria Chaves de Córdova*

         Nos nossos tempos, vem se desenvolvendo gradativamente na sociedade humana, a consciência da importância da alimentação como processo de manutenção da saúde. Embora, a alimentação esteja ainda, fortemente pautada no “prazer de comer”, as pessoas já tem pelo menos uma noção, à guisa de informações ventiladas pelos meios de comunicação de massa, de doenças que podem se desenvolver  através de uma habitual alimentação desregrada.
 Mas, o que é uma alimentação equilibrada? Qual a melhor dieta, de tantas e tão variadas em concepção e regras? O que significa uma “alimentação correta”? Existe uma dieta que serve para manter a saúde de todas as pessoas?
          A impressão que temos é que basta mantermos os níveis sanguíneos corretos de colesterol, triglicérides, glicose e outras substâncias relacionadas à alimentação para a conquista da saúde perfeita. Na mesma linha de pensamento, o consumo do número ideal de calorias, bastaria para manter a forma perfeita. Mas, quem já se aventurou por esse caminho espinhoso ä procura da alimentação ideal, sabe que os resultados não são tão matemáticos como prometem e que cada um de nós tem hábitos alimentares cultivados desde a infância e que, via de regra, não foram adquiridos visando a saúde, simplesmente. Por outro lado, vivemos numa época conturbada, onde o estresse psíquico e físico é uma constante, na luta pela sobrevivência e pela conquista de bens de consumo e qualidade de vida, gerando grande ansiedade, considerada hoje, como uma das principais causas da obesidade. É um grande paradoxo, que na busca pela “qualidade de vida” a vida vá passando... Sem qualidade alguma. A pergunta que fica é: Qual é a dieta ideal?
           Infelizmente, não existe! Não existe uma dieta ideal para todas as pessoas. Existe sim, uma forma de se alimentar individual, que varia conforme as características constitucionais de cada pessoa, seus possíveis desequilíbrios físicos e psíquicos, seu estilo de vida e as variações de clima a que está submetida. É o que nos diz a Medicina Tradicional Chinesa.
Diferentemente de nós ocidentais, que apoiados na lógica do pensamento cartesiano, nos voltamos para o conhecimento profundo dos processos de adoecimento do organismo, visando a descoberta de meios eficazes de combater as doenças, os orientais, baseando-se na observação da natureza dos processos cósmicos e do ser humano, preocuparam-se em descobrir formas de os organismos preservarem a harmonia e o equilíbrio, conservando assim, a saúde.
Desta forma, toda filosofia e conhecimento médicos orientais visam, em primeiro plano, a manutenção da saúde e depois, o tratamento dos desequilíbrios conforme a evolução do processo de adoecer.
         Dentro deste contexto de pensamento, presume-se que há mais ou menos quatro mil anos, começou a desenvolver-se a Medicina Tradicional Chinesa. O pensamento chinês – “esperar ter sede para cavar um poço, pode ser muito tarde”- reflete toda a visão preventiva desta medicina, sob todos os aspectos.
         Esta prevenção baseia-se na alimentação, em técnicas de aprimoramento da respiração, em exercícios físicos regulares, na utilização de ervas medicinais e no desenvolvimento de um trabalho interior, para pacificar as emoções e levar ao autoconhecimento.
         Estes pressupostos foram calcados em estudos profundos sobre a individualidade dos organismos, com suas características hereditárias, biótipos, propensões a desenvolver determinados comportamentos e hábitos, fragilidades constitucionais e aporte energético, a par de investigações sobre a qualidade e a quantidade de alimentos adequada a cada um. Criou-se dessa forma, a Dietética da Medicina Tradicional Chinesa, como um sistema não só de prevenção, mas também curativo, pois o conhecimento detalhado sobre os efeitos dos variados grupos alimentares na fisiologia humana, permite que a alimentação seja um recurso complementar a quaisquer outras técnicas de tratamento, ou mesmo, a terapia principal, como nos casos em que indivíduos necessitem mudar hábitos alimentares para permanecerem sadios.
           A Alimentação, verdadeira fonte da energia adquirida, é formada dos nutrientes e da essência que formam e põem em atividade todas as estruturas orgânicas. O recém nascido pesa em torno de 3000g e o adulto, em torno de 80000g. Foi por meio dos alimentos de origem celeste e terrestre, que foi incorporada toda essa matéria, de modo que, a alimentação é o fator que propicia a formação do corpo físico e da energia necessária para manter o dinamismo da forma.
          A relação interdependente e complementar da energia e da matéria é o meio indissolúvel de se manter a vida. O tipo, a qualidade, a quantidade e o horário da alimentação podem nos condicionar um corpo físico e energético adequado ou inadequado para nossas atividades, mantendo um organismo sadio ou cada vez mais propenso, precocemente, a originar um processo de adoecimento que pode assumir proporções crônicas e evolutivas.
           É importante lembrar, que somos literalmente, o que comemos, uma vez que o alimento ingerido vai se transformar em nutrientes que incorporados ao sangue circularão por todo o organismo abastecendo todos os sistemas e transformando-se em tecidos e energia. Daí a importância do sistema alimentar da Medicina Chinesa, uma vez que permite a cada um alimentar-se seguindo a sua natureza individual e única.
                   A concepção filosófica na qual se apóia a Medicina Tradicional Chinesa se baseia em três premissas básicas: a Teoria do Yang-Yin (condição primordial e essencial para a gênese de todos os fenômenos naturais), a Teoria dos Cinco Movimentos (água, madeira, fogo, terra e metal) e a Teoria dos Zang Fu (órgãos e vísceras).
         Yang e Yin sãos os dois aspectos essenciais e específicos que compõe tudo que existe no Universo. O Yang representa todos os aspectos que se caracterizam por atividade, calor, movimento, claridade, força, expansão e polaridade positiva. Também o homem é representado como Yang. O Yin representa o oposto do Yang, ou seja, os aspectos que se caracterizam por repouso, frio, inatividade, escuro, implosão, retração e polaridade negativa. Também a mulher é representada como Yin. Assim Sol e Homem são Yang. Terra e Mulher são Yin.
         A Teoria dos Cinco Movimentos baseia-se na observação da especificidade e evolução dos fenômenos naturais.  Assim, o movimento Água representa os fenômenos naturais que se caracterizam por retração, profundidade, frio, declínio, queda e eliminação. O movimento Madeira representa os aspectos de crescimento,  movimento, florescimento e síntese. O movimento Fogo representa todos os fenômenos naturais que se caracterizam por ascensão, desenvolvimento, expansão e atividade. O movimento Terra representa os fenômenos naturais que se traduzem por transformação e mudança. O movimento Metal caracteriza os processos naturais de purificação, seleção, análise e limpeza. Existe um intercâmbio e uma transformação contínua de um movimento para outro, regulando o ciclo vital de todos os organismos.
         A  Teoria dos Zang Fu ( Zang = órgão, Fu = víscera) mostra a concepção da Medicina Chinesa sobre os órgãos internos. Consideram-se três aspectos distintos: o energético, o funcional e o orgânico. O aspecto energético é o estudo das interações energéticas do Yang e do Yin e seu impacto sobre o organismo e o meio. Os níveis funcional e orgânico, inseparáveis do aspecto energético, tratam da fisiologia e anatomia.
         Estas três premissas básicas (Yang-Yin, cinco movimentos e Zang Fu) norteiam todos os recursos de avaliação, diagnóstico e tratamento da Medicina Tradicional Chinesa.
          Neste contexto, a alimentação também se baseia nestes princípios. Já na avaliação, caracteriza-se os biótipos pelas qualidades constitucionais mais Yang ou mais Yin dos indivíduos, já definindo, por exemplo, que as necessidades alimentares do organismo masculino (Yang) são diferentes das do organismo feminino (Yin). Como Yang ou Yin e distribuídos nos cinco movimentos, também são classificados os alimentos e distribuídos na dieta de forma individual.
          Na Teoria dos Cinco Movimentos estão representadas as estações do ano, com seus diferentes climas e influências tanto na produção de alimentos quanto na fisiologia humana (ciclo circadiano), dotando organismos e alimentos de determinadas qualidades e influenciando os ritmos orgânicos. Por exemplo, alimentos de Terra, como o arroz, têm sabor doce e ajudam a criar fluídos orgânicos e a tonificar o organismo. Mas, não só de arroz vive o homem, e, portanto estuda-se também a interação do sabor doce com os demais sabores e sua influência na formação da energia nutritiva que abastece o organismo.
          Na Teoria dos Zang Fu estuda-se de forma profunda e detalhada a fisiologia energética, os possíveis desequilíbrios e a influência dos cinco sabores (salgado, azedo, amargo, doce e picante) sobre os órgãos internos, se obtendo assim uma visão do organismo como um todo e a repercussão do processo nutricional sobre o mesmo.
         Estudar essas relações constitui o supra sumo da Medicina Tradicional Chinesa em sua visão verdadeiramente holística do Universo, que coloca o ser humano  inserido no contexto do meio natural, sofrendo todas as suas influências e sendo um dos seus agentes influenciadores. Baseando suas premissas na indissolubilidade dos laços entre homem e universo, a Medicina Chinesa nos conduz a explorar a vida e a saúde em todas as suas potencialidades e a reconhecer a doença como um processo de desequilibro.
         Estes conceitos estão em uníssono com as mais modernas teorias da Física Quântica, da Ecologia e de todo aparato intelectual da ciência e filosofia ocidentais, que passam hoje a lançar novas luzes sobre o desenvolvimento da medicina no Ocidente. O resgate de sabedoria destes conceitos tão antigos vem a somar conhecimento e ser de extrema importância, na arte de propiciar e manter a saúde dos indivíduos e do planeta.

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