Insistir em relacionamento que não dá certo é prova de imaturidade
Parceiros que vivem às voltas com pseudosseparações e pseudorreconciliações provavelmente não têm — e nunca tiveram — noção de identidade pessoal e conhecimento do outro, assim como consciência das muitas dificuldades da vida em comum. Como crianças, esperam que a simples condição de casados resolva, de maneira mágica, todos os problemas que aparecerem.
Supõe-se que as pessoas procuram ser felizes e fazem suas escolhas de modo a favorecer esse destino. Mas o que dizer de um casal que não consegue se acertar e, ainda assim, teima em perpetuar a relação? Os amigos já nem indagam mais se estão juntos ou separados, pois o vai-e-volta é tão caricatural que não há mais quem se disponha a levar a sério as dificuldades conjugais do par. Algo ali se perdeu ou jamais existiu. E não foi meramente o amor, o vínculo ou o senso de dignidade. Perdeu-se a consciência da relação e o senso de responsabilidade para com ela. Perdeu-se a noção de identidade de cada um, uma vez que provavelmente se encontram fundidos um com o outro. A irracionalidade tomou conta do par, que agora é refém das próprias idiossincrasias ou de sua loucura. Os dois perderam a condição de sujeitos da própria história — ou jamais a tiveram — e boiam à deriva no oceano do inconsciente conjugal. Alternam-se maremotos e calmarias, mas não se vislumbra a terra firme. A superação dessa encrenca requer reflexão e maturidade — capacidades que estão comprometidas na relação.
A dinâmica de um casal nessas condições faz lembrar o personagem Sísifo, da mitologia grega. Criatura mortal e astuta, ele engana os deuses. Irados, estes o condenaram a erguer uma pedra morro acima, só para, ao atingir o cume, a pedra rolar de volta, tendo de ser levada até o alto outra vez, indefinidamente. A tarefa sem fim e que é empreendida em vão, no caso de Sísifo, foi motivada por sua presunção. O que dizer, então, sobre o casal que esbarra sempre nos mesmos e conhecidos obstáculos, alternando pseudosseparações e pseudorreconciliações em vão?
A hipótese que me ocorre é esta: ao se unirem, essas pessoas não dispunham de um senso de identidade. Desconheciam a si mesmas e ao outro; ignoravam os próprios recursos e limitações; não tinham capacidade de antever os enfrentamentos que teriam pela frente; adentraram o casamento com a displicência infantil de quem vai a um parque de diversões; ingênua e inconscientemente delegavam ao outro — ou à mera condição de casados — a função de preencher suas lacunas, prover, amparar, cuidar, assegurar o sucesso da união e de suas vidas. Em poucas palavras: falta de autoconhecimento e expectativas irreais quanto ao casamento e ao papel do outro em suas vidas.
Nos momentos em que se separam, são devolvidos ao vazio de suas identidades, bem como ao medo de enfrentar a vida “de gente grande”. Então, voltam a se unir. Uma vez juntos, logo se renovam a frustração das expectativas e o vazio inerente a um casamento sem os alicerces necessários sobre os quais se possa estabelecer. (“Era uma casa muito engraçada/ Não tinha teto, não tinha nada/ Ninguém podia entrar nela, não/ Porque na casa não tinha chão” — diz a letra da canção A Casa, de Vinicius de Moraes.) Não se trata, pois, de uma presunção astuta, um atrevimento. Trata-se da onipotência assemelhada à das crianças, que se vestem de super-heróis para ir ao zoológico enfrentar leões. Não adianta insistir. Esse tipo de dificuldade não se resolve por decurso de prazo. Será necessário o preenchimento das lacunas mencionadas: amadurecimento, autoconhecimento, conhecimento do outro e visão realística da vida e do casamento.
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