“Nada é. Tudo está.”

15/04/2012

Dor até quanto você deve suportar

Se você recorre aos remédios ao primeiro sinal de dor, deveria pensar duas vezes. Um analgésico, por exemplo, pode mascarar sintomas para um bom diagnóstico



As pessoas reagem à dor de forma diferente. Marina, 30, precisa de dose dupla de anestésico só para tratar um dente. Já a sua irmã, Sílvia, 41, enfrentou o parto com tanta tranqüilidade, que chegou a ser saudada pela equipe médica. Reações opostas numa mesma família são comuns. Afinal, no campo da resistência e da superação, outros fatores pesam muito mais do que a herança genética.
De acordo com o anestesiologista Onofre Alves Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos da Dor (SBED), a resposta aos estímulos é individual e depende de como cada um reage emocionalmente a eles. A psicóloga Dirce Perissinotti, doutora em neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), concorda. Para ela, em 70% dos casos, a sensação dolorosa tem uma razão afetiva-emocional. “É o que chamamos de memória implícita da dor. O cérebro se habitua a responder por meio de dores a situações que não estejam necessariamente relacionadas a doenças ou agressões e alterações físicas”, explica Dirce.
Um perfil típico é o da pessoa com dificuldades para lidar com suas frustrações e insatisfações. Conforme a psicóloga, a rigidez da musculatura, a tensão postural e uma irrigação sangüínea ineficaz, provocadas por estresse e pressões diárias, facilitam a resposta orgânica de que algo dói.

Resistir ou atacar
O neurocirurgião Cláudio Corrêa, coordenador do Centro de Dor do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, também chama a atenção para a forte questão cultural envolvida. De um lado, há uma tradição das pessoas recorrerem à automedicação sempre que surge alguma dor no dia-a-dia.
“Essa prática retarda o diagnóstico e, por conseqüência, o tratamento correto.” O contrário também ocorre.
“Há pessoas que excedem os limites da resistência e se recusam a usar qualquer medicação, o que também é incorreto”, explica o neurocirurgião.

CAUSAR UM INCÔMODO DANADO E ATÉ IRRITAÇÃO, MAS EM ALGUNS CASOS É SÓ UMA FORMA DE DEFESA CONTRA PRESSÕES EMOCIONAIS

Na prática, é como se algumas pessoas incorporassem um típico chorão que toma um comprimido ao primeiro sinal de dor; outros, ao contrário, se comportam como verdadeiros már tires, sofrendo com se renidade.

A DOR É A PRINCIPAL CAUSA DE FALTA AO TRABALHO E À ESCOLA, DE LICENÇA MÉDICA E APOSENTADORIA POR DOENÇA, DE ACORDO COM ESTIMATIVAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS DA DOR (SBED)

Se a comparação extrapolar para diferenças culturais, um exemplo clássico de resistência à dor vem do povo japonês. Já os latinos, brasileiros incluídos, tradicionalmente falam e se queixam mais.

Muito além do remédio
O controle da dor não depende só do alívio do sintoma, mas também da modificação das condições que favorecem o seu aparecimento, como desequilíbrio emocional, problemas de postura (como se senta, como dorme...) o ambiente físico (mobília, iluminação do local...) e o estilo de vida. Quem faz atividade física regularmente, por exemplo, está mais protegido contra as dores. Pode parecer estranho, porque são os atletas que ficam mais expostos a lesões, mas o anestesiologista Onofre Alves Neto explica: “aqueles que praticam exercícios regularmente e com a devida orientação têm um limiar muito mais alto de resistência à dor, por causa da maior liberação de endorfinas pelo organismo, substâncias consideradas analgésicos naturais.

O autocontrole exigido na prática de algumas atividades, como ioga e artes marciais, também ajuda o corpo a relaxar e a suportar melhor as sensações de desconforto provocadas pela dor.

Ninguém melhor do que o portador de dor crônica (como é considerado aquele que sofre com um incômodo por mais de três meses seguidos) para concordar com a necessidade de uma intervenção ampla — que vai além do uso de analgésicos ou antiinflamatórios. Especialmente quando as dores constantes acabam afetando de vez o tecido nervoso e a pessoa passa a ter de lidar com o incômodo até o final da vida. Neste caso, as técnicas de relaxamento podem ajudar muito o paciente a conviver melhor com a dor. Já a psicoterapia cognitivo-comportamental seria capaz de mudar o comportamento do paciente crônico, melhorando a relação dele com o sintoma.


Quando o sintoma é nunca sentir dor
Enquanto que para muitas doenças a dor dá o sinal de alarme, para um problema raro, a sua ausência é o principal sintoma. Trata-se da analgesia congênita, originada de um defeito genético que impede a pessoa de sentir qualquer tipo de dor — mesmo as mais intensas. Por exemplo, se quebrar um braço, só vai perceber tarde demais, quando nervos, tecidos e articulações desse membro já estão totalmente comprometidos. Por essa razão, os portadores dessa doença raramente conseguem chegar à puberdade.

Outra técnica, cada vez mais utilizada, é a do biofeedback, que monitora as reações psicofisiológicas, como a emoção e a afetividade, manifestadas no plano inconsciente, por meio de sensores e eletrodotos conectados ao paciente. Essas informações são ‘lidas’ por um programa, na tela do computador, que identifica aspectos como tonicidade muscular, pulso, temperatura, corrente elétrica da pele, freqüências cardíaca e respiratória, sempre que há associação com a memória da dor ou sua percepção real, naquele momento.
“À medida que as respostas do paciente são mostradas de forma consciente, ele é treinado para modificá-las ao menor sintoma”, traduz a psicóloga Dirce Perissinotti da USP.



REMÉDIO SÓ COM ORIENTAÇÃO MÉDICA
Ao sentir uma dor aguda, de aparecimento súbito, deve-se sempre procurar um médico “para que seja tratada e abolida ou se torne suportável. Há um risco grande de uma dor aguda tornarse crônica”, avisa Onofre Alves, presidente da SBED. No caso de uma simples dor de cabeça, tomar medicamentos de modo irregular, pode levar a uma cefaléia crônica. “A pessoa faz diversos tratamentos e continua com a dor”, explica Manuel Jacobsen, coordenador do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da FMUSP.
E há ainda conseqüências mais graves. Segundo o nefrologista e clínico Jorge Lopes, do Hospital Edmundo Vasconcelos, o consumo indiscriminado de antiinflamatórios para dores musculares e nas articulações, é um dos principais responsáveis pela insuficiência renal, ou a total falência dos rins. As estimativas comprovam, de acordo com o médico, que metade dos pacientes em hemodiálise ou candidatos a um transplante de rim tinham sempre à mão um estoque desse tipo de medicamento.



Arsenal de combate
Hoje, há muitos recursos que reduzem a necessidade de analgésicos. Veja como cada um deles pode ajudar, segundo a SBED:


FISIOTERAPIA: utiliza diversas técnicas (massagens, exercícios locais e em aparelhos) para melhorar a função das estruturas do corpo comprometidas pelo processo doloroso.
TERMOTERAPIA: uso de calor externo para produzir bem-estar e facilitar a execução dos exercícios. Entre os instrumentos utilizados estão as bolsas térmicas, os banhos de parafi- na e a hidromassagem.

CRIOTERAPIA: fontes frias como gelo, bolsa com água gelada ou cubos de gelo e aerossóis refrescantes, seguidos de alongamento muscular ou de massagem. A técnica é usada principalmente para aliviar dores agudas.

ELETROTERAPIA: por meio de choques leves nos músculos, ajuda a diminuir a atrofia muscular provocada pelas dores crônicas.

MASSAGENS: relaxam e melhoram a circulação sangüínea nos tecidos, facilitando o tratamento das dores musculares e da fibromialgia. Pode ser feita pelo terapeuta, pelo paciente ou por seus familiares.

ACUPUNTURA: a milenar terapia oriental, que introduz agulhas especiais em pontos determinados do corpo, produz relaxamento muscular, efeito antiinflamatório e a liberação de substâncias analgésicas naturais, como a endorfina e a serotonina.

HIPNOSE: durante a sessão, a pessoa torna-se mais receptiva ao inconsciente, à memória e às sugestões do terapeuta. Proporciona alívio imediato para a dor aguda, uma vez que a tensão muscular diminui no paciente hipnotizado.

HÁ CASOS ATÉ DE INSUFICIÊNCIA RENAL CAUSADA PELO USO DE REMÉDIOS SEM ORIENTAÇÃO MÉDICA

Fonte: Revista Saúde

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