“Nada é. Tudo está.”

11/08/2012

De olhos bem abertos

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A insônia atrapalha a noite de um bocado de brasileiros. A boa notícia é que muitas vezes basta mudar alguns hábitos para dormir melhor
Obesidade, diabete, envelhecimento precoce, perda de memória. O que os males dessa lista assustadora têm em comum – além, claro, do fato de todo mundo querer distância deles? Pouca gente imagina, mas cada uma dessas doenças pode ser causada – ou agravada – pela insônia, distúrbio que afeta cerca de 40% da população brasileira. Toda essa gente conhece bem o que é custar a pegar no sono, acordar várias vezes durante a noite ou despertar cedo demais – e, pior, já cansado. As consequências acima vêm a médio e longo prazo, mas há outras tão graves quanto que são sentidas imediatamente. ”Dormir mal significa ter o dia seguinte prejudicado: a pessoa fica sonolenta, a atenção e os reflexos diminuem. Com isso, aumenta o risco de acidentes de trabalho e de trânsito”, diz a neurologista Elyéia Hannuch, membro da Associação Brasileira do Sono no Paraná.

Mas você já deve estar se perguntando o que, afinal, a insônia tem a ver com quilos a mais, taxa alta de açúcar no sangue e riscos à memória. Isso acontece porque, enquanto dormimos, o corpo trabalha: produz hormônios, como o do crescimento, e substâncias como a leptina, responsável pela sensação de saciedade. É também à noite que são produzidos os anti-oxidantes, espécie de super-herois que combatem os radicais livres causadores do envelhecimento. E aí entra um agravante: mesmo que a origem da insônia não seja o estresse, o insone fica estressado. A tensão, por sua vez, eleva os níveis de cortisol, o hormônio do estresse que também faz subir as taxas de açúcar no sangue, pois aumenta a resistência à insulina. Já as falhas de memória são consequência direta do fato de o sono não chegar à fase REM (da singla em inglês para Movimentos Rápidos dos Olhos). É nesse estágio de sono profundo que o cérebro processa as informações do dia, guarda o que é útil e descarta o resto.

Por tudo isso, uma ou outra noite mal dormida vá lá, mas quando a dificuldade de pregar o olho vira rotina, é hora de se preocupar e investigar o quê, afinal, está lhe tirando o sono. A causa pode ser genética ou hereditária. Porém, ao fazer o diagnóstico, os médicos costumam investigar também outros 80 possíveis distúrbios do sono, como a apneia – a respiração para de tempos em tempos – e a síndrome das pernas inquietas – os membros inferiores se mexem à revelia da pessoa. “Grande parte dos casos está relacionada com maus hábitos na hora de dormir, e uma boa higiene do sono resolve o problema”, diz a neurologista Elyéia. Por “higiene do sono” entenda-se: evitar qualquer atividade que possa fazer você fificar “fritando” no colchão, como encher a barriga, ficar vendo tevê ou navegando na internet até tarde.

Deu pra sentir que o diagnóstico é complexo? A escolha do tratamento também. Contar carneirinhos é folclore, mas para muita gente há alternativas que passam longe dos remédios tarja-preta. Uma delas é a suplementação de alguns aminoácidos diretamente envolvidos no mecanismo do sono, e que podem estar em falta. “O uso de aminoácidos e vitaminas quando indicados de acordo com a necessidade do paciente funcionam, sim, e muito bem”, afirma Mário Romano, médico homeopata da Associação Brasileira de Medicina Complementar. “Eles agem nos mediadores químicos cerebrais, como a serotonina e a dopamina, enviando mensagens ao cérebro para normalizar o sono”, esclarece. Um desses benfeitores é o ácido gama-aminobutírico, também chamado de Gaba. Responsável por diminuir a atividade cerebral, ele ajuda o cérebro a “desligar”.

Um estudo publicado em 2008 no Journal Sleep, da Associação Americana de Distúrbios do Sono, apontou que indivíduos que sofriam de insônia primária – tipo caracterizado pela demora em pegar no sono – tinham uma redução de 30% nos níveis do Gaba. O Gaba é fabricado pelo próprio organismo, mas sua síntese acontece sob o efeito da vitamina B6, um indicador de que cuidar da alimentação também pode ajudar. Outro aminoácido envolvido na produção de serotonina – neurotransmissor cuja falta está relacionada à ansiedade e outros transtornos do humor – é o L-triptofano, encontrado em alimentos ricos em proteínas como carne, peixes e laticínios.

Só que em alguns casos, que apenas os médicos podem determinar, não tem jeito: é preciso tomar remédio. A boa notícia é que cada vez menos os especialistas prescrevem os tais tarja-preta tão famosos há alguns anos. “Eles têm alto poder indutor de dependência e tolerância”, explica o biólogo Ricardo Tabach, pesquisador do Centro de Informações sobre Drogras Psicotrópicas da Universidade de São Paulo (Unifesp). “Também provocam uma série de efeitos colaterais, como amnésia anterógrada, [a pessoa esquece fatos recentes] dependência, síndrome de abstinência e prejuízo das funções psicomotoras. Por isso, seu custo-benefício é, por vezes, questionado”, completa.

Isso explica por que a ciência tem se voltado às investigações das plantas medicinais – e feito descobertas animadoras. A Valeriana officinalis é uma das mais estudadas. Seu poder de controlar os nervos, reduzir a ansiedade e induzir o sono deve-se à presença de um componente chamado ácido valerênico. “Alguns trabalhos indicam que seus compostos atuariam nos receptores de serotonina e Gaba”, explica Ricardo Tabach, da Unifesp. Nos medicamentos fitoterápicos destinados ao tratamento de insônia, a planta normalmente é usada em associação com outras de efeito semelhante, como o Húmulus lupulus (o lúpulo da cerveja), a Melissa officinalis (melissa) e a Passiflora incarnata (maracujá).

Essa última já é, aliás, muitíssimo usada pela indústria farmacêutica. “Ela contém flavonoides que também atuam no sistema nervoso central nos mesmos locais de ação dos medicamentos sintéticos, ou seja, nos receptores Gaba”, explica Tabach. Mas, ao contrário do que diz a cultura popular, não é o suco de maracujá – delicioso por sinal – que provoca sonolência e tranquilidade nas pessoas. É nas folhas que os flavonoides se concentram.

VALERIANA Ela tem a força
Em latim a palavra valeriana significa “ter força”. E olha que isso ela tem mesmo. Usada terapeuticamente desde os tempos greco-romanos, a valeriana tem efeito sedativo comparado, segundo alguns autores, aos efeitos de pequenas doses do benzodiazepínico Diazepam. Há também observações que indicam uma melhora da qualidade do sono na fase REM, importantíssima para a memória. Existem 150 espécies, mas apenas seis têm finalidade medicinal. Por isso, nada de sair colhendo a planta por aí. O exemplar do seu jardim pode não ser da espécie medicinal. Atualmente a valeriana é um dos fitomedicamentos mais prescritos pelos médicos, sendo recomendada para o tratamento de distúrbios do sono associados à ansiedade.

PASSIFLORA Pro dia nascer feliz
O gênero Passiflora possui cerca de 500 espécies, sendo a Passiflora incarnata uma das mais conhecidas. Descoberta em 1569 no Peru, foi introduzida na medicina em 1840, segundo o American Journal of Pharmacy. Entre os diversos usos da planta, destacam-se os efeitos ansiolíticos e sedativos, que têm sido confirmados emnumerosos trabalhos científicos. Um estudo americano descobriu que a passiflora tem efeito similar ao medicamento benzodiazepínico Oxazepam no tratamento da ansiedade, mas com menos efeitos colaterais no dia seguinte. Há poucos casos descritos de reações adversas como náuseas, vômitos, taquicardia e sonolência.

FAXINA NOS HÁBITOS  Os 10 mandamentos para uma boa noite de sono
1 Tenha um horário regular para dormir e despertar.
2 Vá para a cama somente na hora de dormir.
3 Cuide para que o quarto esteja livre de luz e barulho.
4 Não beba álcool perto da hora de dormir.
5 Não tome remédios para dormir sem orientação médica.
6 Não exagere no café, chá e refrigerante.
7 Atividade física é ótimo, mas não perto da hora de dormir.
8 Coma moderadamente no jantar e não deixe a refeição para muito tarde.
9 Tente não levar problemas para a cama.
10 Faça atividades relaxantes após o jantar, como meditar ou ouvir música suave.
Fonte: Associação Brasileira do Sono

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